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    O ano em que fui salva por flores mortas

    (2017) 

    Flores de corte são flores mortas. E ainda assim, foram elas que me mantiveram viva.

    Durante doze meses, fotografei os arranjos florais da recepção do lugar onde eu trabalhava. Era uma empresa como tantas: fria, controlada, cheia de metas e silêncios.
    Ali, vivi um assédio moral sutil, constante — difícil de nomear, impossível de provar. E havia as flores. Flores de corte: decorativas, bonitas, cuidadosamente colocadas sobre o balcão. Estavam ali para criar uma aparência de acolhimento.
    Mas estavam mortas.


    Arrancadas da raiz, durando apenas o suficiente para parecer bem. Foi nelas que encontrei espelho e refúgio. Comecei a fotografá-las — em silêncio, sem intenção artística. Primeiro por impulso. Depois por urgência. Cada imagem era um suspiro que eu não podia soltar em voz alta.

    Fotografei-as como quem constrói um relógio: em doze posições distintas — de frente, de lado, de cabeça para baixo, enviesadas — como se marcassem as horas que me separavam da fuga. Como se cada flor dissesse: resista só mais um pouco.

    Esse ensaio reúne essas doze imagens, uma para cada horário, uma para cada mês daquele ano em que quase me desfiz. É um ciclo de dor e delicadeza, de silenciamento e observação. Uma coreografia visual de quem sobreviveu registrando o que ninguém via. O ano em que fui salva por flores mortas é sobre isso. Sobre encontrar beleza no meio da exaustão. Sobre ver-se em algo que também está morrendo.

     

    As 12 imagens que compõem o ensaio foram feitas com o celular, no intervalo de um ano. Não houve iluminação artificial, nem preparação técnica. Apenas o gesto. Um registro insistente de algo que, à primeira vista, não mereceria ser guardado. Mas ali, naquela repetição ornamental, havia algo que me falava. As flores apresentavam-se como eu: arrancadas do solo, tentando durar. Fotografá-las tornou-se uma prática de resistência íntima. Um modo de não desaparecer por completo.

    Nesse trabalho, a fotografia opera como ato arqueológico. Não captura um instante glorioso — mas escava vestígios de um tempo opaco, resgata matéria que já estava prestes a sumir. Assim como na minha pesquisa com resíduos e fragmentos coletados do chão, o que me interessa aqui é o que foi deixado de lado: o resto, o silêncio, o que ainda pulsa na beira da inutilidade. Fotografar essas flores mortas foi meu modo de dizer: isso importa. Isso testemunha. Isso sussurra algo que a linguagem formal não dá conta.

    O ano em que fui salva por flores mortas é um calendário visual de sobrevivência. Um ano contado em flores mortas. Um arquivo do que resiste — ainda que cortado. Ainda que à margem.

    Técnica: Fotografia digital

     

     

    Juliana Jacyntho   

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